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Gotas de Amorosidade: o abraço que restaura e ressignifica a nossa finitude

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o filho prodigo, gotas de amorosidade

Por padre Ricardo Geraldo, CSsR

 

No artigo “Gotas de Amorosidade” desta quinta-feira (27), refletimos com a parábola do Pai Misericordioso e dos seus dois filhos, que é um dos mais belos e profundos relatos do coração de Deus. Este texto não é apenas uma história, mas um convite radical à conversão, à liberdade responsável e ao amor que rompe barreiras.

O capítulo 15 de Lucas inicia com um grupo de fariseus e mestres da Lei criticando Jesus por acolher pecadores e comer com eles (Lc 15,1-3). A atitude de Jesus revela que Deus não é um juiz rígido e sim um Pai que sai ao encontro, especialmente daqueles que a religião marginaliza. Com isso, a questão central não é o pecado, mas a capacidade de voltar para casa e reconstruir relações baseadas na confiança, não no medo.

O filho mais novo representa quem busca autonomia de forma egoísta, confundindo liberdade com independência total. Ele abandona a casa, esbanja os bens e cai na miséria. A verdadeira liberdade não está em fugir de Deus, todavia em viver a responsabilidade do amor. Nesta perspectiva, o momento decisivo é quando o jovem “cai em si” (Lc 15,17). Essa expressão simboliza o despertar da consciência: ele reconhece que perdeu sua dignidade, mas também descobre que ainda é filho.

O filho pródigo que abandona a casa, representa todos que a sociedade – e até a religião – julga “indignos”. A conversão deste jovem não é um mero arrependimento moral, mas um despertar para a própria humanidade. A salvação não é fuga do mundo, mas libertação das cadeias que nos desumanizam.

O retorno daquele homem não é motivado pelo medo, nada obstante pela confiança no amor do pai. Aqui está a essência da moral cristã: a conversão não é um peso, mas um caminho de volta à comunhão. Além disso é um ato político: ele desafia a lógica do mérito. Não volta como um servo, mas como alguém que redescobre sua identidade além dos estereótipos de “pecador” ou “fracassado”.

O pai corre ao encontro do filho (Lc 15,20), um gesto chocante para a cultura da época. Cabe enfatizar que Deus não espera nossas justificativas perfeitas; Ele nos abraça antes que terminemos nossos discursos. A misericórdia divina não é uma recompensa, mas um dom gratuito. O anel, a túnica, as sandálias e a festa simbolizam a restauração plena: não há “meio perdão”, mas uma celebração pela vida que renasce. É a imagem de um Deus que rejeita a passividade. Esse gesto não é apenas pessoal, mas comunitário: ao abraçar o filho, o pai desmonta os protocolos de honra da sua época. A misericórdia divina é uma força que transforma estruturas: Deus não quer apenas salvar almas, mas criar uma nova humanidade, onde as pessoas não sejam reduzidas a seus erros.

Como acolhemos os que voltam? Nossas comunidades são espaços de festa ou de julgamento?

O irmão mais velho, que cumpre todas as regras, mas tem o coração distante do pai, representa a tentativa farisaica de reduzir a fé a uma lista de obrigações. Ele se considera “justo”, mas é escravo do ressentimento. A obediência sem amor gera amargura e impede a comunhão. O filho mais velho nem mesmo chama o irmão de “irmão”, entretanto diz “esse teu filho” (Lc 15,30). Sua raiva – “nunca me deste um cabrito” (Lc 15,29) – revela uma espiritualidade baseada na troca, não na gratuidade. Quando a religião vira instrumento de poder, ela produz cristãos amargos, que servem a Deus, mas desprezam os irmãos.

O pai vai ao seu encontro: “Filho, você está sempre comigo” (Lc 15,31). Deus não força ninguém, mas insiste em nos lembrar que tudo o que é d’Ele é nosso. A verdadeira alegria está em participar do seu amor, não em comparar méritos. Esta atitude significa um apelo à Igreja: não basta ser fiel às tradições; é preciso ser sinal de alegria inclusiva, especialmente para os que estão fora dos “muros” da comunidade.

 

gotas de amorosidade, abraço de pai que acolhe
Gotas de amorosidade: abraço de Pai, que acolhe

 

Logo, esta parábola é um apelo à ética do coração. Não basta evitar o pecado; é preciso cultivar um relacionamento vivo com Deus e com os irmãos. A moral cristã não é uma prisão, mas um caminho de libertação pelo amor.

A exemplo do pai da parábola, somos convidados a acolher sem condições, lembrando que cada pessoa carrega uma centelha da dignidade divina. Para tanto, cabe nos afastar de uma visão dualista entre “bons e maus”, “sagrado e profano”, haja vista que todos precisamos de conversão. Ao celebrarmos a reconciliação, poderemos transformar a nossa comunidade em um lugar de festa, não de murmúrio.

Devemos priorizar os marginalizados, indesejados e mais abandonados: Como Jesus, a Igreja deve ser voz profética contra sistemas que geram exclusão. E viver a fé como prática libertadora, segundo a qual a misericórdia não é um dogma, mas um compromisso com a justiça que restaura vidas.

 

Deus nos espera de braços abertos

 

Não importa se nos identificamos com o filho que se perdeu longe de casa ou com o que se perdeu perto do pai. Deus nos espera de braços abertos. A maior virtude não é a perfeição, mas a coragem de recomeçar, confiando que Sua misericórdia nos veste de nova dignidade.

O Deus da Vida não está interessado em nossos títulos de “bons cristãos”, mas em nosso coração capaz de se compadecer. Ele nos convida a sair do nosso “campo” de certezas – como o filho mais velho – e a celebrar cada volta, cada gesto de reconciliação.

Portanto, somos chamados não apenas a adorar Deus, mas a imitar Sua revolução de amor. Que nossas comunidades sejam lugares onde os “pecadores” não ouçam discursos, mas experimentem o abraço que liberta.

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