Por Pe. Ricardo Geraldo de Carvalho, CSsR
O Evangelho de João é uma catequese que apresenta relatos das aparições de Jesus, mensagens de fé que buscam transmitir uma experiência. Por sua vez, os evangelistas querem compartilhar com suas comunidades e conosco sua experiência do Ressuscitado.
Os discípulos estão trancados: têm medo. O medo é a emoção que se opõe ao amor e ao entusiasmo, pois paralisa e enclausura. A “aparição” de Jesus traz paz e alegria: o medo desaparece. O encontro com Cristo é o encontro com um Amor que expulsa o medo e enche de paz e alegria; é a experiência central do cristão.
Nesta catequese joanina, evidencia-se o diálogo entre Tomé e Jesus. Tomé não estava presente na primeira aparição de Jesus. Por isso, expressa sua queixa: “Eu também quero vê-lo e tocá-lo!”. No fundo, o desejo de Tomé é o desejo oculto de todo coração humano, seja ele consciente ou inconsciente: “Queremos ver Deus! Queremos tocar Deus!”. Esse é o desejo originário e fundante de todo o nosso ser. Todos os outros desejos, por mais que se disfarcem, escondem esse anseio basilar.
Deus se esconde no coração humano
Santo Agostinho já havia descoberto tal desejo ao exclamar: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e nosso coração está inquieto até repousar em Ti”. O anseio de plenitude e eternidade do coração humano é indelével e, com força poderosa, impele para vir à luz. Muitos místicos identificam esse anseio com o próprio Deus. Logo, o Deus da Vida Se esconde no coração humano sob a forma de desejo, tornando-Se “anseio por Si mesmo”.
Neste ínterim, a frase em tom de repreensão que João coloca na boca de Jesus – “Agora creste porque me viste? Felizes os que creem sem ter visto!” (Jo 20,29) – nos convida a uma nova perspectiva. A interpretação tradicional reduz a fé a mera crença: acreditar no invisível. Sabemos que a fé evangélica e antropológica se manifesta a partir da confiança. E a confiança nasce da visão. Para confiar, é preciso ver, tocar e experimentar.
Por isso, Tomé tinha razão: “Eu quero vê-lo e tocá-lo!”. Se nosso caminho humano e de fé não nos leva a “ver Deus”, ainda somos imaturos: falamos da visão do coração, não física. Os místicos nos ensinam a olhar com inteireza, para que se revele a Presença de Deus em tudo e em todos.
Busquemos ver o Amor sereno e perfeito que resplandece por toda parte! Acolhamos o anseio de infinito que habita em nós!
Outra percepção importante que eclode deste texto é quando o autor diz “estando cerradas as portas”, pois significa que estamos no centro da mensagem pascal. As portas fechadas simbolizam o fechamento do coração e da mente.
Quando nos fechamos? Quando temos medo! Os discípulos estão com medo e, por isso, se trancam. Medo e enclausuramento são as faces da mesma moeda. Em nossas sociedades, frequentemente assoladas pela criminalidade e insegurança, há cada vez mais enclausuramento, mais grades, mais chaves e mais medo.
Verdadeiramente é preciso prudência e proteção, mas é necessário estar atentos para não fecharmos nosso coração e nossa mente. É preciso vigiar para que o medo natural não se torne patológico e nos impeça de amadurecer e amar. O medo paralisa, bloqueia nossa capacidade de amar, afasta-nos das fontes da Vida.
A ressurreição é pura abertura, ar fresco que dissolve o medo. O sepulcro se abre e permanece aberto. A ressurreição vem abrir as portas e janelas de nosso coração e mente.
O evangelista diz que Jesus apareceu aos discípulos sem precisar entrar pela porta. Ele, que havia dito: “Eu sou a porta” (Jo 10,9), já não precisa de portas para entrar em nossa vida e transformá-la. O Espírito do Ressuscitado, o Espírito de Deus, não conhece portas nem janelas. O Espírito é a liberdade, como dirá São Paulo: “Pois o Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Cor 3,17).
A Páscoa é liberdade
A Presença de Deus é uma Presença libertadora. A Páscoa é liberdade; a Páscoa é aprender a ser realmente livre: livre até daquilo que mais oprime e condiciona o ser humano: o mal, a dor e a morte.
A Páscoa nos ensina o caminho da liberdade. Assim como o povo de Israel passou da escravidão à liberdade através da passagem (Páscoa/Pesaj em hebraico) do Mar Vermelho, os cristãos passamos da morte à vida, do medo ao amor, da tristeza à alegria, através da Páscoa de Cristo.
Sempre nos custa muito abrir-nos. Custa abrir o coração e a mente, haja vista que a desconfiança nos aprisiona. Por que custa tanto a abertura? Porque nosso ego precisa de segurança e a segurança nos dá a ilusão do controle.
Na realidade, segurança e controle são ilusões. Nada é seguro e nada controlamos: tudo flui, tudo passa, tudo muda. Assim é a Vida, e esse dinamismo reflete sua profunda beleza. A tentativa de aprisionar a Vida ou manipular Deus sempre terminará em frustração.
Brilhantemente Santo Agostinho assevera: “A verdade é como um leão. Não precisa ser defendida. Deixe-a livre. Ela mesma se defenderá”. Deixemos que a Páscoa abra nossa mente para uma busca mais sincera e humilde da Verdade. Uma Verdade que sempre nos transcende, nos surpreende e nos encanta.
É um caminho arriscado, sem certezas, um salto no vazio. Mas, àquele que salta, será presenteado com a experiência única, indelével e irreversível do Sopro Divino.
Outro prisma substantivo que encontramos nesta perícope contida no Evangelho de João, se dá no momento em que Jesus ressuscitado aparece aos discípulos e oferece-lhes a paz “A paz esteja convosco” como primeiro gesto (Jo 20,19). Essa paz não é mera ausência de conflito, mas um chamado à reconciliação ativa. Cabe enfatizar que a paz de Cristo exige ação: superar medos, romper barreiras de desconfiança e construir comunidades fundadas no perdão. No texto, Jesus mostra as chagas, símbolo do seu sacrifício, convidando os discípulos a assumirem uma fé encarnada, que não ignora o sofrimento, mas o transforma em testemunho de amor.
A figura de Tomé (Jo 20,24-29) ilustra a tensão entre a dúvida humana e a busca da verdade. Quando nos tornamos críticos de uma fé dogmática desconectada da experiência, podemos ver na dúvida de Tomé uma oportunidade para um encontro autêntico com o divino. Ao tocar as chagas, Tomé não apenas crê, mas confessa “Meu Senhor e meu Deus!”, reconhecendo Jesus na sua humanidade glorificada. Em suma, essa passagem reforça que a fé não é cega, mas se alimenta do diálogo entre razão e mistério, entre a fragilidade humana e a graça.
Jesus envia os discípulos ao mundo (Jo 20,21), conferindo-lhes o Espírito Santo. Interpretemos essa missão como um compromisso ético: a Igreja deve ser sinal de esperança em um mundo marcado por injustiças. Inspirados pelo Concílio Ecumênico Vaticano II sejamos testemunhas integrais da fé que se concretiza na promoção da dignidade humana, na justiça social e no diálogo com a cultura contemporânea. A exortação “Não sejais incrédulos, mas fiéis” (Jo 20,27) ecoa, assim, como um convite à ação transformadora, não apenas à adesão intelectual.
Os discípulos estavam reunidos quando Jesus apareceu, destacando a importância da Comunidade. Vejamos a Igreja como uma Comunidade de pecadores reconciliados, chamada a acolher e cuidar das feridas uns dos outros e a ser sacramento de unidade no mundo. A presença de Tomé, inicialmente ausente, lembra-nos que a fé se fortalece na partilha de experiências e no apoio mútuo. A exortação final de Jesus – “Felizes os que creem sem terem visto” (Jo 20,29) – não condena a dúvida, mas celebra a fé que se constrói na solidariedade e no serviço.
A ressurreição está ligada à Esperança escatológica, não como fuga do mundo, mas como motivação para transformá-lo. A paz oferecida por Jesus não é passiva; é um projeto de renovação que exige coragem para enfrentar estruturas de opressão. Em face de um “mundo ferido”, a mensagem do evangelista João 20,19-31 convida a Igreja a ser fermento de um “mundo novo”, onde a fé se traduz em gestos concretos de amor e justiça.
Como missionários da Esperança que buscam seguir os passos do Redentor, é fundamental reconhecer, nas chagas de Cristo, um apelo à reconciliação e à missão. Como Tomé, somos desafiados a superar o medo e a dúvida, abraçando uma fé que se faz serviço e Esperança Ativa. Que a paz recebida no cenáculo nos impulsione a construir comunidades onde a graça se torne visível no trabalho por um mundo mais humano e solidário. Inspiremo-nos nas sábias palavras do teólogo alemão Bernhard Häring (1912 – 1998), missionário redentorista – muitos especialistas o distinguem sendo o maior expoente em teologia moral do século XX –, conhecido por uma abordagem pastoral e engajada, afirmou: “a verdadeira fé não teme as perguntas, mas as transforma em pontes para o encontro com o Ressuscitado”.
Neste panorama, Jesus “exalou seu sopro sobre eles e acrescentou: Recebam o Espírito Santo” (Jo 20,22). Nesta completude entre os Dois Testamentos, observamos no Livro do Gênesis: “Então o Senhor Deus modelou o homem com argila do solo e soprou em suas narinas um sopro de vida. Assim, o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7).
Temos aqui uma vertente extraordinária para a nossa caminhada e para crescer em compreensão e amor. Dois sopros unem criação e ressurreição; o sopro criador de Deus que dá vida é o mesmo sopro do ressuscitado. Tudo tem sentido, e uma harmonia invisível tece os fios da história e da perenidade cósmica.
O mundo vive porque Deus continua soprando e insuflando o Espírito; eu vivo por esse mesmo sopro, e você também; o mesmo e único sopro nos enraíza na Vida Única; o único sopro eterno da criação entra no tempo, cria o tempo e se concentra e resume no sopro de Jesus; Deus é o Sopro, de todos os sopros.
Você é respirado, instante após instante. Deus respira você, e você respira Deus: é o movimento da vida e do existir. Por isso, em todas as tradições espirituais, a respiração consciente tem tanta importância. Atualmente, também a ciência e a medicina insistem no poder curativo e regenerador da respiração: precisamos reaprender a respirar, fisiológica e espiritualmente.
A respiração é o elo entre o mundo material e o espiritual: é tangível e intangível. É pura gratuidade, pura beleza. Nos traz à terra e nos eleva. Nos acalma e nos apaixona. Respirar é viver, pois não apenas inalamos oxigênio, mas vida divina. Portanto, ousamos dizer:
Sinto-me respirado, meu Cristo Vivente.
Teu sopro me renova a cada instante,
me cria e me recria.
Teu sopro é humilde e sereno,
forte e criativo,
e é meu lar.
Sopra, ó Cristo vitorioso!
Sopra sobre a dor humana,
e sobre a terra sofrente.
Teu sopro nos dê olhos novos,
olhos de Páscoa,
olhos vivos e enamorados.
Teu sopro é minha alegria plena,
não quero outra.
Teu sopro preenche tudo e basta.
Vivo em teu sopro eterno,
Amo e sou amado,
Vida de minha vida.