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Além do amor, tudo é hipocrisia – Gotas de Amorosidade

Amar como Jesus é, ao mesmo tempo, optar por estar em um relacionamento “doador” com os outros. Isso significa servir uns aos outros concretamente, mostrar amor fraterno e verdadeiro. “Quem não ajuda o outro, não perdoa e não vive na verdade é hipócrita”. A escolha de não viver “concentrando e conquistando”, entretanto, “compartilhando, dando e servindo”, é uma atitude de renovação cotidiana que deve ser pautada na pergunta: “onde eu poderia servir mais alguém hoje?”

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amor

O verdadeiro Deus não é um ser separado, que está em algum lugar da estratosfera, mas é o fundamento do meu ser e de cada um dos seres do universo. Em outras palavras: o meu verdadeiro “eu” não sou “eu”, mas Deus. Estamos no coração do evangelho e da experiência de Jesus. As expressões “habitaremos nele” ou “faremos morada nele” (Jo 14,23) revelam esse Mistério tão maravilhoso e incompreensível para nossa mente humana.

O que chamamos de Deus é a raiz do nosso ser e de tudo que existe. Como já afirmava Santo Agostinho (354 – 430): “Deus é mais íntimo a nós do que nossa própria intimidade”. Esta é a experiência central que Jesus tentou transmitir a seus discípulos. Uma experiência que não pode ser reduzida a palavras ou conceitos. Até Jesus teve dificuldade para comunicá-la e precisou recorrer a imagens e metáforas da sua cultura e época. Palavras, conceitos, imagens e metáforas são sempre condicionados e limitados. Tomar consciência disso nos dá grande liberdade e abertura para expressar o Mistério com criatividade, originalidade e atualidade.

O texto fala do Espírito, isto significa afirmar nossa essência invisível e eterna. O mundo que vemos é manifestação e expressão do Espírito que não vemos. O que somos – nossa essência comum – se expressa e se revela nas infinitas formas da criação. O interior se expressa e se desvela no exterior. Por isso, o pensador basco Enrique Martínez Lozano afirma: “O Espírito, ou Dinamismo de Vida e de Amor, é a dimensão invisível do Real, que faz com que o visível exista – numa relação não-dual. Por isso, não é o oposto da matéria (ou corpo), mas da morte. Metaforicamente, poderíamos dizer que o cosmos inteiro não passa do ‘corpo’ do Espírito, sua manifestação e expressão. Assim, quem sabe ver o mundo, está vendo o Espírito”. Martinez também assevera: “Quem sabe ver o mundo, está vendo o Espírito”. Aprender a ver é aprender a conectar-se com nossa essência comum, o amor que somos e o amor que é. De modo que para quem sabe ver, só o Amor existe, só o Amor é real.

 

O que é o amor?

Nesta perspectiva, a poetisa estadunidense Emily Dickinson (1830 – 1886) ratificou: “o amor é tudo que é real, isso é tudo que sabemos do amor”. Aprender essa visão é a verdadeira revolução que o mundo precisa; necessária para nos libertar da ilusão e do medo e nos conecta com o Real. Mas há um passo prévio e fundamental para aprender essa visão: silenciar a mente e enraizar-se no Silêncio. A mente (pensamentos, emoções, sentimentos) não pode ver o que está além dela. Porque sempre separa, fragmenta, analisa, julga, discrimina. O que somos é o Amor Uno, que a mente não pode capturar, sendo a expressão desse Amor Uno. Logo, é a Consciência que cria a mente, não a mente que cria a Consciência. “Ver” esse Amor Uno é o caminho.

Esse ver confiante – não é físico, mas espiritual – eclode do “olho” do Silêncio, que vê além da mente. Poeticamente:
“Um Céu sem limites,
uma Terra sem fronteiras,
um Oceano sem palavras…
Um Coração imenso…
que explode e se expande…
Isso somos…
…Amor sem limites.
E além disso, este Silêncio…
que tudo acolhe,
que tudo penetra.
…e eu choro…
…de tanta Beleza”.
(Autor Desconhecido)

A partir dessa visão, compreendemos melhor o significado da paz que Jesus nos dá: “Deixo-lhes a paz, dou-lhes a minha paz, mas não como o mundo a dá” (Jo 14,27). A paz que Jesus nos oferece é a paz que somos, a paz que se funde com nosso ser mais profundo. “Que a paz de Cristo reine em seus corações” (Cl 3,15) e “a paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento, guardará seus corações e mentes em Cristo Jesus” (Fl 4,7), afirma o apóstolo Paulo.

A paz que o mundo busca e tenta construir ainda é superficial. É a paz como ausência de conflitos, fruto de diálogo ou mero compromisso de não interferir nos interesses alheios. A paz de Jesus é a possibilidade – e o dom – da interioridade e da conexão com nosso verdadeiro ser. Esta inteireza se apresenta quando vivenciamos que somos paz e somos amor.

Pois bem, a fidelidade à palavra de Jesus é a fidelidade ao seu ensinamento, à sua visão e, em última instância, a fidelidade a si mesmo. As palavras de Jesus são verdadeiras e fecundas porque nascem da fidelidade à sua consciência. A única fidelidade verdadeira é a fidelidade à nossa consciência, porque, como lembra Mestre Eckhart (1260 – 1328), “nosso fundo e o fundo de Deus são um mesmo e único fundamento”. Assim, ao sermos verdadeiramente fiéis a nós mesmos, somos fiéis a Deus, e na medida que somos fiéis a Deus, somos fiéis a nós mesmos.

A partir dessa fidelidade, ocorre o extraordinário, o surpreendente, o maravilhoso: descobrimo-nos habitados! Por isso, desde sempre, a mística fala da “habitação divina”: Deus habita em nós, e nós habitamos em Deus. O Pai criador, o Verbo redentor e o Espírito Santo de amor habitam a alma, divinizam-na e a tornam uma só coisa por amor. Essa fidelidade a si mesmo e essa consciência de sermos habitados pela divindade nos fazem compreender de outro modo o dom da paz: “Deixo-lhes a paz, dou-lhes a minha paz, mas não como o mundo a dá. Não se perturbem nem tenham medo!” (Jo 14,27).

 

A paz do Bom Jesus

 

Nosso mundo anseia por paz, precisa de paz e busca a paz. Os avanços na paz – quando existem – são frequentemente lentos e escassos. Por quê? Porque essa busca de paz é superficial, interessada, hipócrita. Não é a paz de Jesus. A paz de Jesus é a paz interior, integral, completa: “Shalom” – “paz” em hebraico – vem de “shalem”, que significa “completo”.

Todos os grandes mestres espirituais da humanidade repetem há séculos: não pode haver paz “lá fora” se não houver paz “aqui dentro”. Enquanto não houver paz no coração dos seres humanos, não haverá paz real e duradoura no mundo. Para tanto, São João Bosco (1815 – 1888) dizia: “Quem tem paz em sua consciência, tem tudo”. E o monge cristão ortodoxo russo Serafim de Sarov (1759 – 1833) elaborou uma proposição com potência humanizadora: “Adquira a paz interior, e milhares ao seu redor encontrarão a salvação”.

Essa paz interior só se adquire com fidelidade a si mesmo, honestidade e desapego. A “habitação divina” e a paz formam um círculo amoroso e recíproco: a consciência de sermos habitados nos presenteia com a paz; e a práxis da paz interior faz crescer essa mesma consciência. Queremos a paz no mundo? Trabalhemos por nossa paz interior e sejamos fiéis a nós mesmos.

Neste panorama, precisamos aprender a reconhecer que o Amor ressuscitado vive, mas agora muito mais como uma força em nós, que só se torna perceptível por meio de alguns sinais frágeis, que nós, crentes, tentamos corajosamente reconhecer e mostrar, mas que outros podem não entender ou até interpretar completamente errado. O Amor ressuscitado de Jesus vive, a partir de agora, de forma tangível e visível no serviço diário e concreto de nossa pequena comunidade eclesial, que ainda é composta por pessoas fracas e pecadoras. E Ele vem hoje no pouco de pão e vinho, que reconhecemos como os dons de amor de Seu Corpo e Sangue, que nos dão força para continuar o seu Projeto. Precisamos aprender a aceitar e reconhecer essa nova e frágil forma da presença de Jesus. Essa é nossa missão neste tempo de crescimento, até que o Espírito venha. E isso não é fácil, às vezes até doloroso. Os sinais de nova vida podem ser vulneráveis, mas oferecem muita esperança, pelo menos para quem os sente e reconhece e possibilita o seu desenvolvimento.

Neste tempo, talvez sintamos mais do que nunca que não conseguimos lidar com nossas próprias forças e começamos a ansiar pela vinda do poder do Espírito de Jesus. Mas então é muito importante perceber que esse Espírito não é uma superpotência esmagadora que pode fazer tudo em nosso lugar, não obstante uma inspiração convidativa em nós, que apela à nossa liberdade e sempre conta com nossa cooperação pessoal. O que esse Espírito vem fazer? Jesus disse sobre Ele: “Ele vos ensinará tudo e vos fará lembrar tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,26). O Espírito Santo vem principalmente manter viva a memória de Jesus, ou seja, nos inspirar a continuar a pessoa e a obra de Jesus, nos ensinar a amar como Ele, em meio ao nosso tempo, com seus problemas modernos, mas também com suas novas contingências e ênfases.

 

 

Ora, “amar de verdade como Jesus” significará, mesmo em nosso tempo, escolher pessoalmente adotar uma atitude de vida de “agradecer” e “dar”. Amar como Jesus é, em primeiro lugar, optar por viver em um relacionamento “grato” com Deus. Isso significa aceitar com gratidão o amor imerecido, altruísta, oferecido pelo Pai como um presente gratuito. A primeira atitude fundamental de um cristão é: “Eu sou uma pessoa digna de ser amada, digna de receber amor; sou amado e sinto-me profundamente grato a Deus”. Essa escolha de não viver “exigindo”, mas “agradecendo”. E no exame do meu consciente existencial ter a coragem de perguntar: “Eu poderia ser grato?” Evidentemente nem tudo é exitoso na jornada diária. Todavia, há mais razões para agradecer pelo bem que recebi naquele dia do que para me amargurar ou me revoltar com o que deu errado.

 

Amar como o Bom Jesus

Amar como Jesus é, ao mesmo tempo, optar por estar em um relacionamento “doador” com os outros. Isso significa servir uns aos outros concretamente, mostrar amor fraterno e verdadeiro. “Quem não ajuda o outro, não perdoa e não vive na verdade é hipócrita”. A escolha de não viver “concentrando e conquistando”, entretanto, “compartilhando, dando e servindo”, é uma atitude de renovação cotidiana que deve ser pautada na pergunta: “onde eu poderia servir mais alguém hoje?” É previsível que ainda reagirei de forma egoísta e gananciosa naquele dia. Mas já experimentamos a bem-aventurança interior em proporcionar alegria e paz a alguém, em vez de nos fechar em nossas próprias necessidades solitárias.

O Espírito do Amor de Jesus às vezes é comparado a um vento de tempestade, que derruba os muros erguidos entre as pessoas, ou a uma brisa suave, que traz reconciliação onde posições duras ameaçam afastar corações. “Tempestade” ou “brisa” continuam sendo boas imagens, desde que não esqueçamos que o Espírito de Jesus não pode realizar nada se não escolhermos cooperar pessoalmente com Ele.

Que bom é aprender gradualmente a agir cada vez menos por obrigação ou peso, e cada vez mais por gratidão e amorosidade, porque já recebemos tanto, e ao viver mais generosamente sentimos a paz de espírito e podemos celebrar com a alegria de outrem. Portanto, ousamos agradecer e servir mais do que já fazemos.

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