A Romaria da Terra e das Águas
Lugar de grande potencial turístico, a importância histórica da cidade repousa essencialmente em seu Santuário: também é lá que ocorre a Romaria da Terra e das Águas.
Realizada todos os anos, no primeiro final de semana do mês de julho, a Romaria da Terra e das Águas é a “caçula” das romarias e, a exemplo das outras, também ganhou amplitude regional e nacional.
O evento data do final da década de 70 e com o passar do tempo vem se atualizando cada vez mais em relação aos acontecimentos sociais.
Nela, o protagonismo é das comunidades campesinas, mas a Romaria abrange as mais variadas categorias de peregrinos, contemplando agricultores, lavradores, quilombolas, estudantes, assalariados, acampados, assentados, posseiros, meeiros e trabalhadores de todo tipo.
A Romaria da Terra e das Águas em Bom Jesus da Lapa tem um forte apelo social, além do apelo religioso. É a celebração que faz com que o povo do campo se mobilize e que, além de renovar a sua fé, mostre ao mundo a sua luta constante.
O grupo vai em busca do direito da terra e da água para todos, da libertação do latifúndio e de todas as formas de opressão.
E para integrar a Romaria da Terra e das Águas vale tudo: o trajeto é feito de ônibus, de caminhão, de barco, a cavalo e em alguns casos até mesmo a pé, de inúmeros lugares da Bahia e também de outros estados brasileiros.
As Cruzes e enxadas na Romaria da Terra e das Águas
A Romaria da Terra e das Águas começa com uma missa de abertura no primeiro dia. Depois começam a acontecer palestras e debates, onde se discutem questões ambientais e ecológicas.
Assim, inseridos nesse rico imaginário simbólico que permeia a ocasião, estão as velas, cruzes e terços – itens religiosos que integram a fé católica – mas também pás, enxadas e foices, instrumentos da labuta na terra.
A ideia é alimentar os participantes com força e coragem, tendo a memória dos mártires como norteadora. Tópicos como produção e consumo, estilo de vida capitalista e meio ambiente são igualmente trazidos às discussões.
A programação inclui celebrações religiosas, atividades culturais e debates e dentro dela sempre é abordada a conjuntura contemporânea sociopolítica do Brasil.
A organização do evento é da Comissão Pastoral da Terra – Bahia, Dioceses de Bom Jesus da Lapa, Barreiras, Irecê, Barra, Caetité, Arquidiocese de Vitória da Conquista, Santuário Bom Jesus e organizações e movimentos populares.
É o momento de se discutir um mundo mais sustentável e de discutir políticas para as minorias, o trabalhador rural, os quilombolas, os ribeirinhos, os indígenas – e ter a fé de que, pela fé, mudanças são possíveis e podem acontecer.
Apesar dessa romaria romper a barreira do significado religioso somente, ela é de extrema importância pela abordagem e pelo que discute – temas preocupantes e que dizem respeito à todos, uma vez que dividimos o mesmo Planeta e que também devemos dividir os cuidados com ele.
Essa é uma ótima oportunidade para quem pensa em visitar Bom Jesus da Lapa, o Santuário e as demais atrações da cidade – e ainda participar de encontros para discutir o futuro e as melhorias que podem ser feitas nos locais onde moramos, além de ajudar a erguer bandeiras sociais, como a de luta das minorias.
Um pouco de história sobre a Romaria da Terra e das águas
Em seu nascedouro, o Santuário do Bom Jesus tornou-se um lugar por natureza do povo sofrido do Sertão da Bahia.
Dessa linha que atravessa o tempo, fez parte, por exemplo, o destino de povos como índios, quilombolas e escravos – uma população invisibilizada, relegada e fadada a uma existência de sacrifício, pois subordinada a coronéis em meio a carências de todo tipo.
Então, nada mais natural que a Romaria da Terra ganhasse cada vez mais adeptos progressivamente.
Revelam os historiadores que em 1977 saiu um grupo de 150 romeiros de Colônia, Andaraí e localidades próximas (região da Chapada Diamantina, estado da Bahia), rumo a Bom Jesus da Lapa.
Conta-se que nessa época, em muitas regiões da Bahia predominava um panorama muito conturbado, em relação aos problemas de posse de terra (com ameaças de latifundiários e fazendeiros a agricultores, expulsões e centenas de mortes).
Esse território era intensamente marcado por políticas econômicas que ignoravam as peculiaridades da agricultura camponesa.
Terra para aqueles que nela trabalham
Nesse sentido, grandes fazendeiros deram início a um processo de apropriação de muitas terras para expandirem a pecuarização, para a criação de gado bovino, ou simplesmente como meio de promoverem a reserva de valor (popularmente conhecida como “capital de rescaldo”).
Os pequenos produtores começaram a ter suas terras – onde desenvolviam suas policulturas: feijão, arroz, milho, mandioca, abóbora, melancia, palma, andu e mamona – drasticamente reduzidas.
Foi nessa atmosfera de contrastes e conflitos em torno de problemas de posse de terra que, em julho de 1977, nasceu a nova romaria. Na oportunidade, o tema escolhido foi “Terra para aqueles que nela trabalham”.
No entanto, ela não foi oficialmente considerada a primeira, por ter sido restrita a poucas comunidades. Nos moldes atuais, ela começou no ano seguinte, em 1978.
Chamada de “Missão da Terra”, em 1978, ela teria esse nome até 1988; deste ano, até 1999, passou a ser “Romaria da Terra” e, a partir daí, tornou-se também das Águas.