O Evangelho de João 11,19-27 nos coloca diante de Marta, uma mulher em luto, cujo diálogo com Jesus revela a tensão entre a dor humana e a esperança divina. Vejamos nesta passagem não apenas um milagre, mas um encontro transformador que redefine a consciência. Para tanto, a fé não é uma abstração, mas uma resposta livre ao amor de Deus, capaz de libertar-nos das “tumbas” do medo, do legalismo e da desesperança.
Marta inicia com uma queixa: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido!” (Jo 11,21). Essa fala revela uma fé ainda aprisionada pela lógica humana do “se”. Neste versículo identificamos a crise da consciência: uma fé reduzida a cálculos, onde Deus é visto como executor de demandas humanas.
No entanto, Jesus não repreende Marta: Deus acolhe nossas dúvidas para nos conduzir à maturidade espiritual. A resposta de Jesus – “Teu irmão ressuscitará” (Jo 11,23) – é um convite à responsabilidade ética. Devido a tendência imediatista, Marta expressa uma fé genérica – “Sei que ressuscitará no último dia” –, típica de quem desconhece a presença redentora de Cristo no presente. Neste ínterim, faz-se necessário educar a nossa consciência: a vivência cristã inspira-nos a não ficarmos vinculados as respostas pré-estabelecidas e engajar-nos na história, na qual Deus se manifesta.
Jesus declara: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá” (Jo 11,25). A ressurreição não é um evento futuro, mas uma realidade presente em Jesus: Ele é presença que transfigura a morte. O encontro com Cristo liberta-nos à fidelidade criativa e responsabilidade ética, em face das periferias existenciais. Assim como Marta foi desafiada a remover a pedra do túmulo (Jo 11,39), somos convidados a remover as “pedras” que aprisionam nossa consciência. Que “pedras” precisamos remover para experimentarmos a vida nova que Cristo nos oferece?
Pois bem, a confissão de Marta – “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus” – é compromisso com a transformação do mundo, pois a fé e as obras são inseparáveis: crer não é passividade, mas adesão ao projeto de Jesus, que chama à solidariedade e à justiça.
Marta não crê sozinha, o seu testemunho ecoa na Comunidade (Jo 11,19). A vida cristã supera o individualismo e gera a ética da solidariedade, a qual é uma antítese aos “túmulos” da pós-modernidade: injustiças sociais, crise ecológica e desesperança existencial.
Deus não ignora nossa dor – Jesus chora com Marta (Jo 11,35) –, não obstante convida-nos a confiar além desta situação. “Tirai a pedra!” (Jo 11,39): ousemos transformar estruturas de morte. “Desatai-o e deixai-o ir!” (Jo 11,44): a missão cristã é desatar as amarras que oprimem a dignidade humana. Destarte, o estadunidense John A. Sanford (1929 – 2005) – analista junguiano e presbítero protestante – asseverou: “O sofrimento, por si só, não constitui cura alguma; ele só nos cura quando desenvolvemos a atitude adequada em relação a ele”.
Portanto, a plenitude da vida nasce do encontro com Cristo, que nos liberta para amar sem medo. Que nossa consciência, educada na escuta do Ressuscitado, nos impulsione a ser sinais de ressurreição em um “mundo ferido”. A vida em Cristo é muito mais que um escrupuloso seguimento de regras; é o encontro com uma Pessoa que dá novo horizonte à finitude.