A oração é um aspecto fundamental do ser humano e de todas as religiões. Desde os primórdios o ser humano reza de diferentes maneiras, na busca de uma experiência com o Transcendente ou D’us ou Divino ou Deus. Até os que se declaram “ateus” vivenciam o fenômeno oracional. Para tanto, o teólogo espanhol José Maria Castillo (1929 – 2023) afirmou: “rezar é expressar um desejo”.
Essencialmente, o ser humano é “desejo de infinito” feito carne e história. Em outras palavras: é anseio de infinito, de imortalidade, de vida eterna e plena; o desejo por um amor infinito nasce com cada pessoa e nos acompanha sempre. Neste ínterim, o filósofo francês Gabriel Marcel (1889 – 1973) dizia: “Amar alguém é dizer-lhe: tu não morrerás”.
Se o desejo é tão importante, a oração também o é: ela nos tira do comodismo, da conformidade, de uma vida superficial e, às vezes, sem sentido. Rezar denota muito mais do que “pedir”. Uma visão muito exteriorizada de Deus distorceu tanto a oração que quase a reduzimos a simples súplica. “Diga-me em que Deus você acredita, e eu direi como você reza”, assevera um conhecido provérbio. Destarte, conforme a experiência de Deus que temos, assim será a nossa oração.
Compreendida em um nível mais profundo – a partir de uma experiência de Deus como unidade e raiz de tudo que existe –, a oração se torna, em nossa “periferia existencial”, algo vital, novo e transformador. Entendemos que rezar é essencialmente agradecer, contemplar, deixar-se amar e mergulhar no silêncio eterno.
“Peçam e lhes será dado; busquem e encontrarão; batam e a porta lhes será aberta. Pois todo aquele que pede, recebe; quem busca, encontra; e a quem bate, a porta será aberta…” (Lc 11,9-10). Como entender esse outro ensinamento de Jesus sobre a oração?
Jesus aponta para a realidade autêntica, para nossa identidade mais profunda. Ele sempre nos convida – assim como os verdadeiros mestres espirituais – a descobrir nossa gênese, o eterno em nós, o que somos; a sair da ignorância, da confusão, a transcender a mente estreita e o ego.
O ser humano não é um amontoado de desejos e necessidades. Desejos e necessidades fazem parte do nosso ser superficial e são meios que Deus colocou em nosso coração para descobrirmos nosso verdadeiro ser. Logo, viver bem o desejo é essencial, porque nos impulsiona a avançar para o cerne divino da nossa alma e transcender o superficial.
As tradições espirituais orientais nos ensinam que quando alcançamos o nosso ser autêntico, até os desejos perdem importância: “a paz e a felicidade surgem límpidas e plenas na ausência do desejo”. Todavia, no Ocidente, muitas vezes há uma interpretação equivocada, supondo que esta postura seria uma “amputação” do humano. A supressão do desejo nasce justamente da superabundância de humanização, não da sua falta.
O evangelho expressa isso com as belas parábolas do tesouro escondido e da pérola preciosa: “O Reino dos Céus é como um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, o esconde de novo e, cheio de alegria, vende tudo o que tem e compra aquele campo. O Reino dos Céus é também como um comerciante que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, vai, vende tudo o que tem e a compra” (Mt 13,44-46).
“Peçam e lhes será dado…” expressa que, no fundo, já somos o que almejamos e, por conseguinte, já temos tudo. Nas palavras do espanhol Enrique Martínez Lozano – psicoterapeuta, sociólogo e teólogo – “já somos o que nosso coração anseia. Não há distância entre o que somos e o que desejamos, exceto a ignorância que nos impede de vê-lo. E a partir dessa identidade profunda, a ‘intercessão’ funciona: somos uma Grande Rede, e tudo repercute em tudo. Por isso, a ‘oração’ sempre alcança as pessoas por quem rezamos”.
Neste panorama, poderemos compreender as palavras de Jesus no evangelho de Marcos 11,22-24: “Tenham fé em Deus. Eu lhes garanto: se alguém disser a esta montanha: ‘Levante-se e atire-se no mar’, e não duvidar em seu coração, mas acreditar que acontecerá o que diz, assim será. Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, creiam que já o receberam, e assim será”.
A despeito de estarmos face à limitação humana já temos tudo, porque no fundo somos tudo. Deus vive em nós, Deus quer viver-se e experimentar-se como pessoa humana. O ilimitado manifesta-se no limitado, o eterno no temporal, o infinito no finito, o transcendente no imanente. Tudo depende de onde me situo: se vivo a partir do que sou, viverei em constante sensação de plenitude, e assumirei desejos e necessidades com paz. Se vivo a partir dos desejos e necessidades, ou seja, do ego, viverei sempre com certa insatisfação e angústia.
Pois bem, cabe refletirmos acerca do pedido insistente dos discípulos: “Senhor, ensina-nos a rezar”. Precisamos de mestres que nos ensinem a arte da oração. Guias ou mistagogos que nos iniciem no mistério grandioso e fascinante da fé e da espiritualidade. Pelo menos no início faz-se necessário termos um acompanhante espiritual. Depois, o Espírito assumirá, conduzindo-nos diretamente pelos caminhos da solidão, do silêncio, da intimidade espiritual. Não obstante, sem deixarmos de caminhar com outros inter-humanos e sem recusar companhia.
O ensinamento de Jesus centra-se em dois aspectos aparentemente paradoxais: a insistência e a confiança. Afinal, “quem insiste não confia, e quem confia não insiste”. Na verdade, não há contradição, mas profunda unidade e harmonia.
Oração é o caminho para o abandono em Deus
Nossa oração deve ser insistente e perseverante: é o caminho para o abandono em Deus, para a aceitação total da vida e do momento presente. Nessa jornada, é preciso disciplina: nossa visão e percepção abrem-se gradualmente. No âmago, o caminho da oração é o caminho da plenitude e da descoberta da Presença divina.
Quando descobrimos que a Presença de Deus nos envolve por completo, que sentido tem nossa oração? Ela assume a forma plena do agradecimento. A oração de súplica transforma-se em oração silenciosa e grata; torna-se um simples e profundo “estar” – um viver na Presença e a partir da Presença.
Como afirmou São João Maria Vianney (1786 – 1859): “A oração é a elevação do nosso coração a Deus, uma doce conversa entre a criatura e seu Criador”. E ele nos presenteou com uma das definições mais belas e sintéticas sobre a prática oracional: “Eu olho para Ele, e Ele olha para mim!” Nesse cenário, Santa Teresa de Ávila (1515 – 1582) ratificou: “A oração é um trato de amizade, estando, muitas vezes, a sós, com quem sabemos que nos ama. A oração é uma resposta de amor que se fundamenta, na fé, no amor e na confiança. A iniciativa é sempre do Amigo”.
A ilusória sensação de falta transforma-se em percepção de plenitude: toda a mística das tradições espirituais aponta para essa vivência profunda e integral da oração. A sensação de carência espiritual, afetiva e emocional brota do nosso ego. Por isso, o ego nos faz viver na ansiedade, na agitação e na compulsividade.
A oração nos leva a descobrir a plenitude que nos habita: somos plenitude, ainda que experimentemos a fragilidade da vida. Somos plenitude, mesmo vivendo a vulnerabilidade em nossa personalidade. Quando nos conectamos com essa experiência iluminadora, nossa visão se transforma e, por sua vez, assumimos uma vitalidade oracional, capaz de integrar e curar o “mundo ferido”. Passamos a perceber com clareza: tudo o que nos acontece é exatamente o que precisamos para crescer e aprender. “Tudo é graça!”, dizia Santa Teresinha do Menino Jesus.
Abre-se, portanto, a visão do Uno e da unidade: somos aquilo que buscamos. Tudo já nos foi dado: “quem pede, recebe; quem busca, encontra; e a quem bate, a porta se abre”. A oração torna-se puro agradecimento: simples, silenciosa e profunda. As palavras sobram. Simplesmente estamos. Simplesmente somos. Luz que sussurra agradecida: Obrigado!