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Gotas de Amorosidade: Eucaristia, presença real na fragilidade instauradora de esperança

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Na Solenidade de Corpus Christi, enchemos as ruas com tapetes de flores e cores, numa procissão que é mais do que tradição: é um ato público de fé no mistério que celebramos – a presença real de Cristo na Eucaristia – e um apelo radical à encarnação da fé no mundo. Mas o que significa, verdadeiramente, este Corpo e Sangue que carregamos no ostensório?

 

Lembremo-nos que a Eucaristia não é um rito mágico, nem uma simples obrigação religiosa. É, antes de tudo, um encontro pessoal com o Cristo vivo, que nos convoca à liberdade responsável e à transformação concreta da vida. A presença de Cristo na Eucaristia não é um dogma estático, não obstante uma dinâmica de encarnação. Assim como Deus se fez carne em Jesus, Ele escolhe elementos frágeis – pão e vinho – para se revelar. Essa “sacramentalidade do real” recorda que “o divino se manifesta no ordinário”. O pão consagrado não é fuga do mundo, mas sinal de que Deus habita a história humana, especialmente nas feridas dos mais abandonados.

 

Cristo veio para nos libertar das cadeias do pecado e de toda opressão que desfigura a dignidade humana. Ao nos alimentarmos do Pão da Vida, somos incorporados a uma comunidade de irmãos e irmãs, onde não há lugar para a indiferença e autorreferencialidade. A hóstia consagrada é o sinal de um Deus que se entregou totalmente por amor e nos chama a fazer o mesmo. Logo, a comunhão não é um prêmio para os perfeitos, entretanto sustentação para os que buscam, com humildade, seguir os passos de Jesus.

 A Eucaristia nos chama ao compromisso

Somos chamados a assentir o compromisso ético, porque não há adoração verdadeira sem justiça social. Se comungamos o Corpo de Cristo, mas ignoramos o irmão faminto, o migrante rejeitado ou o idoso abandonado, nossa fé é vazia (cf. 1Cor 11,27-29). Nesta procissão, procuremos enxergar Cristo além do ostensório. A adoração só é autêntica quando gera conversão do olhar. Para tanto, a Eucaristia nos compromete a:

  1. Denunciar a injustiça onde ela esmaga os pequenos;
  2. Partilhar os bens como expressão do “sacramento do irmão”;
  3. Viver a misericórdia como estilo de vida cristã.

 

O pão e o vinho que Jesus tomou em suas mãos simbolizam todo o Universo, toda a realidade, nossa realidade. Jesus soube concentrar tudo o que fez e tudo o que é – a realidade – em um pedaço de pão e um gole de vinho. Assim como em sua morte e ressurreição tudo se concentrou, assim se concentra na Eucaristia. Viver a Eucaristia significa dar-nos conta de que tudo é Corpo de Cristo, e que todo este Corpo se concentra aqui e agora em um pedacinho frágil e simples de pão.

 

A Eucaristia nos faz “pão partido” para o mundo, haja vista que Cristo não quis ser adorado apenas no sacrário. Quer ser reconhecido nas ruas, nas periferias, nos rostos sofridos. Ao carregarmos o Santíssimo pelas ruas, assumimos o compromisso de ser sinal vivo de Cristo num mundo fragmentado. Levar a todos a esperança de que um novo mundo é possível, onde o amor supera o ódio, e a partilha vence o egoísmo. A Igreja em seu magistério nos ensina: “A mesma caridade que se celebra na Eucaristia deve ser vivida nas relações sociais” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 90).

 

O Cristo Eucarístico, ao percorrer nosso espaço vital, nos transforme em pão repartido: “Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28). Com fidelidade criativa vivenciemos a libertação integral, que se manifesta na Eucaristia como força contra todo mal pessoal, social e estrutural. Testemunhemos a ética da responsabilidade, pois a graça recebida exige uma resposta ativa na história. E a Igreja como sinal, entusiasme a comunidade eucarística para ser fermento de justiça no mundo.

 

A celebração eucarística é o coração de uma vida cristã que se torna testemunho plausível. Renovemo-nos no compromisso de ser Corpo de Cristo vivo no mundo. Que nossa adoração não se encerre com a bênção final, todavia ecoe em atitudes concretas de fraternidade até “que corra o direito como as águas, e a justiça como torrente que não cessa” (Am 5,24).

 

Pois bem, enquanto os apóstolos estavam inclinados a dispensar a multidão faminta, Jesus os exorta a dar de comer às pessoas com os parcos recursos que têm: cinco pães e dois peixes. Quando eles começam a fazer isso, o milagre acontece pelo Espírito do Deus da Vida.

 

A práxis do cuidado deve ter em sua essência a capacidade de reconhecer a necessidade do inter-humano, em especial as reais vulnerabilidades do moribundo no hospital, um faminto no deserto de hoje. Essa necessidade é múltipla. Fisicamente, predominam a dor e vários desconfortos. Psicologicamente, o doente tem necessidade de se reencontrar, apesar da desfiguração do seu corpo e da sua crescente dependência. Dificuldades relacionais surgem devido ao manejo frequentemente desajeitado da verdade na relação entre o doente e seus familiares. E, no plano espiritual, há o medo do desconhecido, a busca desesperada por sentido e a difícil luta para manter viva a frágil chama da esperança.

 

Além do doente, familiares e amigos também participam dessa experiência no deserto. Eles conjuntamente precisam de apoio e encorajamento para poderem desempenhar seu importante papel à beira do leito e se prepararem para sua tarefa futura, na vida, sem seu ente querido.

 

Assim como os apóstolos contaram a quantidade de pães que sobraram, cabe assumirmos, entre os escassos meios, a firme vontade de estar próximo e ajudar o ser humano gravemente enfermo em sua total humanidade, o grande desejo de fazê-lo juntos com toda humildade, bem conscientes da nossa impotência diante do cerne do problema, que se manifesta com a morte iminente.

 

O milagre eclode em face do cuidado pleno de amorosidade que os enfermos recebem em seu último caminho de vida pela equipe médica, familiares, amigos, religiosos entre outros. A confiança dos doentes, os encontros afetuosos com suas famílias, e às vezes a reconciliação após anos de desarmonia e sofrimento entre as pessoas são os “doze cestos dos pedaços que sobraram” que ganhamos de presente.

 

À guisa de conclusão, o Papa Francisco nos inspira a resgatar a inteireza da vida de maneira bastante consciente, ao afirmar na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), parágrafo 49: “Prefiro uma Igreja machucada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba enclausurada num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo deve inquietar-nos santamente e preocupar a nossa consciência, é que tantos dos nossos irmãos vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Espero que nos deixemos inquietar mais pelo medo de nos enclausurarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta, e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)”.

 

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