O que é riqueza? O que significa ser rico aos olhos de Deus? (Lc 12, 21). Perguntas importantes que o evangelista Lucas nos propõe. Questionamentos bastantes significativos quando, em nosso mundo e em nossas sociedades, persiste o enorme abismo entre ricos e pobres, entre os que acumulam e os que não têm o mínimo para sua subsistência.
Neste cenário desumano, onde a vida é submergida, o biopoder decide quem irá morrer e viver, Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881) – escritor, filósofo e jornalista do Império Russo; considerado por muitos como sendo um dos maiores romancistas e pensadores da história, bem como um dos maiores “psicólogos” que já existiu, ao considerar a designação e etimologia mais ampla do termo, como investigador da psique – gera a inquietude criativa no âmago da nossa consciência e do espírito e, por sua vez, entusiasma-nos à liberdade interior ativa ao ratificar: “A vida é vida em toda parte, a vida está em nós, e não no que nos rodeia. Perto de mim haverá gente, e ser um homem entre os homens e assim permanecer para sempre em quaisquer que sejam as desgraças, sem desanimar, sem me abater – eis em que consiste a vida, eis a tarefa de viver”.
A perícope começa com o pedido de uma pessoa anônima: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança” (Lc 12,13). A resposta de Jesus é fundamental: “Amigo, quem me constituiu juiz ou árbitro entre vocês?” (Lc 12,14). Jesus nos convida a sermos responsáveis por nós mesmos e a buscar no coração as respostas de que precisamos ou que a vida nos apresenta. Em face da moral autônoma, Jesus não veio nos dizer como nos comportar, mas nos revelar à nossa essência divina.
O rico insensato da parábola confunde sua identidade com suas posses, suas colheitas e seus bens. No fundo, ele não sabe quem é. Vive a partir da exterioridade, da fantasia e da imagem. São Paulo disse: “E os que usam deste mundo, como se dele não abusassem, porque a aparência deste mundo passa” (1Cor 7,31). O apóstolo Paulo continuou: “Porque não atentamos nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2 Cor 4,18).
O rico insensato é surpreendido pela morte inesperada. A morte, no fundo, é sempre inesperada. Deveríamos esperá-la em paz para nos tornarmos mais sábios. O rico havia colocado sua identidade em algo transitório e passageiro, e a morte revelou seu erro. Nossa sociedade segue, em muitos casos, o mesmo caminho: convida-nos a colocar nossa identidade no passageiro, no efêmero, no supérfluo.
A sociedade é fruto e revelação do pessoal e individual: onde depositei minha identidade? Ser rico aos olhos de Deus significa viver em conexão com nossa identidade. Nada do que pode passar e morrer é o que somos. O que somos é o Espírito eterno, o qual é imperceptível aos nossos olhos físicos. Verdadeiramente, o Espírito eterno tudo sustenta, gera e anima. E, por conseguinte, a riqueza corresponde ao nosso ser, à nossa essência e ao que somos.
Deus – fundamento da realidade – é Vida e Amor. Logo, ao vivermos em conexão com essa única riqueza, conseguiremos experienciar a liberdade e desprendimento da relação com as coisas, os bens e as pessoas. Riqueza e pobreza vão além da simples posse de bens e dinheiro: há pobres que são ricos e ricos que são pobres. Conforme afirmou o filósofo e teólogo uruguaio Juan Luis Segundo (1925 -1996): “há pessoas tão miseráveis que a única coisa que têm é dinheiro”. A pobreza evangélica é conexão com o que somos: amor e vida. Por isso, a pobreza evangélica é, antes de tudo, desapego e desprendimento.
O francês Thomas Merton (1915-1968), monge trapista, compartilhou sua experiência ao afirmar: “a pobreza concebida em função da solidão ou da nudez – desprendimento, distanciamento de tudo o que é supérfluo na vida anterior. Renúncia à atividade inútil das nossas faculdades naturais… ‘se quisermos encontrar Deus na profundidade das nossas almas, temos de deixar tudo o mais do lado de fora, inclusive a nós mesmos’”.
Tudo isso não denota, absolutamente, uma justificação do abismo escandaloso entre ricos e pobres, nem uma justificação do capitalismo desumano, das injustiças e opressões. Evidência dar os passos correspondentes com responsabilidade e lucidez. À vista disso, devemos descobrir a plenitude interior que nos habita.
Neste itinerário existencial, cabe ressaltarmos que Jesus não é contra a riqueza em si, mas contra a ganância e o acúmulo de tesouros improdutivos. Jesus quer que desfrutemos verdadeiramente do nosso trabalho e tenhamos alegria em nossos esforços. Ele se opõe a que fiquemos esgotados por nossas preocupações. Sobretudo, não quer que desfrutemos egoisticamente dos nossos recursos materiais, sem pensar em outrem.
Qual a diferença, então, entre duas pessoas com a mesma riqueza, sendo uma verdadeiramente rica e a outra gananciosa? A incongruência manifesta-se na atitude de agradecer e partilhar. O cristianismo não vê os bens da terra como nossa propriedade, entretanto como propriedade de Deus, que nos permite usá-las. O evangelho nos convida a nunca considerar nossa riqueza como posse pessoal, sobre a qual poderíamos dispor de forma arbitrária, arrogante e autossuficiente. Devemos reconhecê-la sempre como um dom de Deus, que recebemos para administrar e isso traz consigo responsabilidades.
Agradecimento e partilha
Essa visão exclui toda ostentação e, ao contrário, convida à grande humildade. A atitude fundamental de nós, cristãos, é a gratidão pelo que nos foi ofertado. Mas também eclode a preocupação em partilhar. Se fecharmos as mãos, tudo o que possuímos escorrerá como areia entre nossos dedos. Ao abrirmos as mãos e sermos solidários, nosso coração se enche de uma incalculável alegria.
A riqueza não existe para ser guardada para nós mesmos, mas para ser partilhada com as outras pessoas. A riqueza recebida só se torna verdadeiramente frutífera quando a compartilhamos. Dinheiro e riqueza são dons que podemos usar – nunca só para nós – sempre conforme a Vontade do Deus da Vida: em princípio, para toda a humanidade. Pois, o nosso Deus é o Pai Amoroso de todos.
Portanto, não somos convidados ao pessimismo sobre nossa riqueza, todavia a uma postura crítica diante da nossa ganância excessiva. O evangelho pede que não façamos dos nossos bens um meio para o contentamento egoísta e sim um testemunho integral à profunda gratidão e alegria compartilhada.
